Da série "Lugares onde vivi" - Chapada dos Veadeiros (parte I)

É óbvio que eu não perderia uma oportunidade de fazer propaganda da Chapada.
Bem, Planalto Central Brasileiro, foi lá que minha grande aventura pessoal começou. Me mudei para Alto Paraíso de Goiás aos quatro anos de idade, levado pela minha mãe, que fugia para lá em busca de paz interior e qualidade de vida. Alto Paraíso, como o nome sugere, e modéstia a parte é sim, um lugar mágico.

Desde o início da povoação do lugar histórias surpreendentes já eram ouvidas. Haviam os índios Avá Canoeiros, que conta a lenda, eram bravos guerreiros. E há também o curiosíssimo caso dos Kalungas, no município de Cavalcante. Uma comunidade quilombola que ficou isolada num vale chamado Vão das Almas, desde o seculo XVII até a década de 70. O lugar onde eles ficaram isolados é de uma beleza tão magnífica que simplesmente não dá pra descrever. É só pra quem viu, tocou, sentiu... Perfeição.

O lugar é tão incrível que fica situado no parelelo 14 o mesmo da também mágica Macchu Picchi (Mas em Alto Paraíso não há nenhuma caverna misteriosa que interliga os mundos, essa lenda contarei em outro post de lugares legais que conheci). O sonho que Dom Bosco teve, não lembro quando (que falta de orgulho pela minha terra), mas sei que foi há muito muito tempo atrás, onde ele previa a nova capital do Brasil, uma capital do terceiro milênio, aquele papo velho, descrevia na verdade, a região de Alto Paraíso. Mas, graças a existência das montanhas da Chapada, consideradas inúteis e horríveis naquela época, a construção da capital foi deslocada para 200 quilômetros mais ao sul! Antes dos anos oitenta a região onde fica a Chapada era chamada de Corredor da Miséria, pois era uma região que foi, felizmente, esquecida pelo desenvolvimento.

 Na década de 70 o estado de Goiás contava com um governador muito querido pelo povo, chamado Ary Valadão. Ary tinha um filho, Ary Filho que por ventura se elegeu prefeito do município de Alto Paraíso. Aryzinho foi um visionário. Numa época em que só existia poeira e miséria na região, ele já previa o que temos hoje lá na cidade: ecoturismo da melhor qualidade! Aryzinho começou então a executar um projeto muito bonito, chamado Projeto Alto Paraíso. Ele instalou infra-estrutura para a produção de frutas secas e construiu um aeroporto com capacidade para que se pousasse até um boeing! No meio do sertão de Goiás! Parece "causo" de lavagem de dinheiro, mas não era. Aryzinho era verdadeiramente um visionário, foi um político que verdadeiramente tinha boas intenções. Mas infelizmente uma tragédia se abateu sobre ele e ele veio a falecer em sua própria obra. Estavam testando a pista de pouso do novo aeroporto de Alto Paraíso e Aryzinho vinha de Goiânia quando encontrou complicações com a aterrisagem. O avião caiu ao aterrisar e começou a pegar fogo! Aryzinho tinha conseguido salvar a própria vida, mas um amigo dele ficou preso nas ferragens e ele então voltou para ajudá-lo. Uma explosão aconteceu e foram os dois pro céu.
Desde então, todo mundo que visita Alto Paraíso de Goiás encontra logo na entrada da cidade um monumento em homenagem a  esse herói local.  Quando criança eu ficava olhando para aquela estátua, tinha medo, pois é uma estátua que aponta para a cidade! Mas depois, ao conhecer a história o medo passou e a admiração surgiu! Bem, hoje o aeroporto ainda não funciona como numa grande cidade e o projeto de frutas secas não foi muito pra frente, mas existe uma grande diferença entre a cidade no tempo do Corredor da Miséria e hoje, quando podemos navegar na internet tranquilos, temos estrutura para receber muitos turistas, temos lojas legais, cafés, livrarias, festivais internacionais de música, grupos ecológicos.... Hoje existe uma estrutura muito melhor em Alto Paraíso de Goiás e quem começou isso tudo foi o Ary Valadão Filho, célebre Aryzinho!

Bom, depois vieram os anos 80 e com eles um novo projeto que foi transformando Alto Paraíso no que é hoje. Um projeto chamado "Rumo ao Sol".  Foi uma grande viagem coletiva de LSD, eu acho!!! Mas deixa eu explicar melhor, foi um movimento de comunidades alternativas que escolheu a cidade como um local sagrado onde gostariam de morar. Nessa década dezenas, senão centenas de comunidades alternativas descobriram as belezas do Planalto Central e resolveram se transferir para lá!  Vários amigos meus de infância são filhos desses malucos que peregrinaram país adentro rumo ao Planalto Central. Na nossa infância em Alto Paraíso o que rolava era muito banho de cachoeira, caminhada nas montanhas, brincadeira nas árvores! Poxa, muita coisa boa!

Eu costumo dizer que Alto Paraíso, apesar de ser uma cidade minúscula, não é nem de longe, uma cidade do interior. É que lá não tem político ou padre que manda na cidade, não tem fofocas e fofoqueira (os) que destróem a vida das pessoas, não tem ignorância ou violência ( pelo menos não em excesso). Lá é uma cidade pequena, mas de onde a gente tem acesso a tudo, eu trabalhei num lugar, por exemplo, onde tive que negociar a visitação de 200 ingleses ao Brasil. Foi muito bom, porque ao mesmo tempo que eu estava no Sertão do Goiás estava também em Londres (ou pelo menos em contato direto !)

Essa onda do Projeto Rumo ao Sol foi o que levou essa miscelânea cultural para Alto Paraíso. Foi o que levou também uma das características mais peculiares do lugar, a aura mística da cidade. Tudo tem um tom de mistério em Alto Paraíso, mas é um mistério bom, saudável. A cidade é cheia de templos, das mais diversas doutrinas. Tem o pessoal que segue o Rajneesh (é um guru indiano, com ensinamentos aliás muito úteis, conhecido também como Osho), tem o pessoal Hare Krishna, o pessoal Santo Daime, Saint Germaint, Umbanda, Fraternidade Branca, Grupo de Estudo de OVNIS e afins (essa sigla é por minha conta!), e tem também os convencionais católicos e evangélicos. E todo mundo vive numa boa, os diferentes tipos de doutrinas religiosas se acostumaram com a existencia uns dos outros, então é natural você na infância ter tido um colega crente convicto e ao reencontrá-lo anos depois o cara mudou de nome e está adando pela cidade com uma bata indiana, cheirando incenso e cantando mantras. O contrário também rola, muitos daqueles que chegaram nos anos oitenta com toda a indumetária mística hoje frequentam igrejas evangélicas! Vai entender.

A terceira onda cultural que invadiu Alto Paraíso de Goiás, e nessa eu estou bastante envolvido, se dá a partir do começo dos anos 90 e é a onda Ecológica. A gente percebeu que tinha um santuário raro na mão e então resolvemos nos movimentar para tomar conta do que é nosso. Em 93, juntamente com a turma, eu ajudava a fundar as bases do GAMA- o Grupo de Apoio ao Meio Ambiente. É uma OnG muito, mas muito especial mesmo. Foi uma grande escola pra todos os jovens envolvidos. Nós tínhamos um Espaço Cultural com sede própria, no auge de nossas atividades, administramos um espaço cultural, editavámos um jornal ecológico mensal, fazíamos peças ecológicas por todas escolas da cidade e da região, tínhamos uma rádio comunitária e vários projetos culturais. Muita educação ambiental envolvendo comunidades locais. Foi um trabalho para os jovens feito por jovens e foi onde eu aprendi muita, mas muita coisa legal e onde conheci algumas das pessoas que mais admiro e que mais me fazem bem nessa vida.

Bem, grande saudades de Alto Paraíso... É um lugar de paz, um lugar pra respirar. Pra ver o horizonte com uma profundidade que, perdão amigos, mas simplesmente não existe aqui no sudeste. Alto Paraíso é ver milhões de estrelas numa noite simples e acordar com tucanos na janela! É onde minha família tem moradia e onde pretendo, no futuro, construir minha casa e levar minha filha pra ficar comigo tomando banho de rio e curtindo as serras.

Comentários

  1. Adoro seu talento, sua criatividade, sua memória, seu bom humor e sua disposição. Quero ver mais! Estarei sempre por aqui.
    Te amo.

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  2. Dani, que surpresa boa! Sempre bom ter sua presença na minha vida! E seja bem vinda ao blog, agora vou me associar com o blog do PIBID, que é um programa de incentivo à formação de professores! Seja bem vinda a colaborar também!

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  3. Bora conhecer esse lugar.

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