A formiga-zumbi do whatsapp



Os tempos são outros, estamos caminhando em pleno século XXI. Não vai haver, no Brasil de 2018, gulags ou Auschwitz, dissolução do Parlamento ou violação de propriedade privada. O Brasil é um país continental, estratégico para a ameaçada soberania da América Latina, com uma população de mentalidade predominantemente colonizada (costumo ter boa performance em língua portuguesa, mas pergunte-me qualquer palavra em Tupi-Guarani e imediatamente verá toda minha ignorância). 

Não é um país pequeno, com alguma reserva natural que esteja na mira de super potências próximas geograficamente. Não é um país com tradição de conflitos armados entre facções políticas e/ou religiosas (exceção para os conflitos entre milícias armadas das favelas brasileiras, mas voltaremos nesse ponto). Não é um país com uma população majoritariamente voltada para um tipo de pensamento único, uma única religião ou ideologia, tampouco fundamenta sua economia em um tipo único de atividade ou recurso natural (como na Venezuela). Ou seja: não há e nem haverá conspiração comunista, URSAL, regime ditatorial fascista, campos de concentração, lobotomizações em massa ou erotização de crianças promovida por governos. Nada disso é real em 2018. 

Mas existe um (ou vários se nos pautarmos por um contexto global) golpe em curso. A natureza do golpe contemporâneo, no entanto, é outra. É um golpe futurista, atual, com nova roupagem, mas que mascara uma verdade simples que sempre existiu na história da humanidade, em todos os países, todos os povos, todos os tempos: uma parcela pequena de detentores de poder econômico mantendo seu poder a todo custo e subjugando uma parcela imensa de seres humanos mais simples, sem poder, e que são levados a acreditar que as verdades e desejos dessa pequena parcela são verdadeiros, corretos, melhores, nobres...

Sempre foi assim, ao longo de toda a História, ora em uma região, ora em outra; ora determinada língua e cultura, ora outras; ora os oprimidos virando o jogo e mudando o stablishment, ora permanecendo subjugados por gerações até que uma nova conjuntura possibilite mudanças. 

"O poder não é concentrado, é pulverizado" (Michel Foucault). O golpe dos anos 2010 não virá com uma força externa, militarizada, que subjugará e pasteurizará a população, apesar dessa força permanecer sob comando dos detentores do poder (e a disputa gira em torno de qual tipo de poder vai controlar essas forças? o poder político contaminado pelo Capital ou outro?) para assegurar a manutenção da ordem ( e todo aquele que desvia das normas hegemônicas corre o risco de ser exterminado e vive sob a clara e cínica ameaça de ver sua existência eliminada a qualquer instante - a não ser, claro, que seja um consumidor comportado).

O golpe atual quer mudar as pessoas de dentro para fora.  Acabo de sair de uma reunião de departamento, onde alguns professores pesquisadores compartilharam comigo algumas fotos de cepas do fungo Ophiocordyceps camponoti rufipedis, que ataca o cérebro de formigas da espécie Camponotus rufipedis causando paralisações em seu corpo até a morte. Os insetos infectados são chamados de formigas-zumbis por ficarem vagando pela colônia sem conseguir realizar suas tarefas. Ao ver as fotos do fungo, brinquei com o professor dizendo que o gênero e espécie do fundo era Whats app.
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Nunca a teoria dos memes de Richard Dawkins foi tão explícita quanto nessas eleições brasileiras de 2018. As pessoas estão profundamente afetadas, abaladas em seus sentimentos mais íntimos, e agora todos sabemos que esses ânimos exaltados são influenciados por informações meméticas (segundo Dawkins, o meme pode ser considerado como um "gene da memória"), que se acoplam à subjetividade das pessoas em uma velocidade cada dia mais acelerada.
Foucault dizia que não existe verdade, apenas intenção de verdade. Mas essa intenção de verdade é uma convergência de múltiplas concordâncias, não apenas aquilo que acredito individualmente como verdade. Seria ingenuidade atribuir a recente ascenção da extrema direita em países latino americanos e em todo planeta apenas à recém descoberta compra de pacotes de mensagens com conteúdo falso enviadas em massa pelo candidato Jair Bolsonaro. Retomando o pensamento foucaultiano, o poder é pulverizado. Não são apenas pessoas lobotomizadas pelo whatsapp, formigas-zumbi, que são responsáveis pela crise que atravessamos, existem muitos outros interesses em jogo: exploração ilimitada do imenso território nacional por parte do agrobusiness, interesse do capital privado e estrangeiro em ter exclusividade nos lucros da exploraração de recursos naturais recém-descobertos com potencial milionário (pré-sal e nióbio), livre acesso de corporações multinacionais que verão seus lucros crescendo exponencialmente com o afrouxamento de leis trabalhistas e tributárias. 

O poder financeiro, ora se apresentando como conglomerados organizados, centralizados e com nomes e ora operando em um sentido de forças que direcionam a ação de quem defende ou de quem almeja este poder, se mune de inúmeras estratégias para controlar as engrenagens do poder e manter no mainstream pessoas e condições que favoreçam principalmente o lucro de poucos. Conseguem manipular e comprar políticos, determinar os rumos de eleições e da economia, contaminar o poder judiciário. 

Isso tudo ocorre em uma lógica de microfísica do poder. Aos poucos, de modo pulverizado, vindo de onde menos se espera, os interesses desses grupos financeiros, disfarçados de valores essenciais para a vida e convivência social, explorando pontualmente medo, insegurança e ignorância de frágeis conglomerados humanos, geraram uma crise moral, psicológica e social, mexendo profundamente com a subjetividade do brasileiro (mais especificamente, já que esse é o personagem protagonista do momento em que esse texto foi escrito)
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Em nome do combate a supostas forças comunistas, organizações criminosas incógnitas, corrupções, em nome do combate ao mal em si, a formiga-zumbi não se comove com apologia à tortura, não se preocupa em averiguar a veracidade dos fatos ou em garantir uma educação pública de qualidade  não apenas para os próprios filhos mas também para os dos outros. A formiga-zumbi está tão ressentida com alguma tragédia pessoal ou injustiça que lhe aconteceu, que se torna incapaz de analisar lucidamente os melhores caminhos para se chegar a um estado de paz social e justiça. A formiga-zumbi está tão preocupada em fortalecer as paredes apenas da sua câmara individual, que fecha os olhos para todas as mortes que estão acontecendo ao redor dela.

Mortes, sejam de mulheres, de pessoas LGBTQI ou da juventude negra, vítimas, em sua maioria, de conflitos entre milícias armadas com a polícia, milícias essas que controlam o tráfico de drogas, esses sim, braços de um dos tipos de crime organizado. A formiga-zumbi está tão paralisada pelo medo, tão perdida em sua profunda crise de subjetividade que se tornou incapaz de se sensibilizar com as mães pretas que perdem seus filhos todos os anos para uma guerra que não faz sentido algum. Não é necessário nem campo de concentração, nem ditadura comunista. Já perdemos milhares de vidas para essa guerra todos os dias. A dúvida que resta é - iremos aumentar ou diminuir esses números?

Meu desejo sincero é que, enquanto Nação, acordemos do sonambulismo da formiga-zumbi, que caiam todos os véus de ilusões enquanto ainda há tempo. No contexto eleitoral brasileiro, que saibamos analisar profundamente os fatos, as propostas, os planos de governo das opções que dispomos e as tendências concretas dessas forças políticas que se apresentam. 

Que a verdade prevaleça.

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