Corpo sem órgãos

Talvez eu queira estourar meus pulmões de tanto fumar. Derreter o fígado de tanto beber. Arrebentar a laringe de tanto gritar. Abarrotar o estômago de tanto comer, estraçalhar o coração de tanto quebrar, entortar a coluna de tanto andar, lotar o cérebro de muito estudar, os olhos se gastarem de tudo querer ver, os dedos se cortarem de tudo querer fazer. Estou e sempre estive mesmo sem saber que estava, em busca do Corpo sem Òrgãos. Artaud pensou nessa ideia em 1947 quando resolveu se opor aos órgãos, pois esses traziam peso, confusão e ao se integrarem a um organismo passam a ser instrumentos controláveis. Baseado nessas ideias, Gilles Deleuze e Felix Guatari desenvolveram o conceito de Corpo sem Òrgãos (CsO) em suas obras O anti-édipo e Mil Platôs (Vol. 3 Como criar para si um corpo sem órgãos). 

O Corpo sem Òrgãos está na imanência do desejo, é potência criadora. Ele não é um espirito, não está pronto e ao mesmo tempo é pré-pronto. É o que se preenche por intensidades e materializa os afetos. Os órgãos, estratos organizados servem a ordem, carregam acontecimentos passados, falham. Ao se organizarem em um organismo, sujeitam-se ao controle externo, ao grande Fora. 

O masoquista, o hipocondríaco, o drogado, o paranóico, o esquizofrênico rasgam, alucinam, amedrontam, dividem, costuram, testam, fecham, enfim experimentam o corpo até seus limites. Extravassam o corpo ou a mente através de ondas doloríferas, ou ondas de frio ou medo, ou uma torrente de ideias. Seja o que for, o que importa é atingir o campo de intensidades. Apreender o acontecimento, experimentar o devir. 

Sugere-se apenas prudência, injeções de prudência. Afinal de contas, o Corpo sem Órgãos não se opõe aos órgãos (pois são quem possibilitam a experimentação), mas se opõe ao organismo, à sujeição. O CsO sugere estar nos acontecimentos, fazer uso ético e estético do que nos acontece. É a casa da nossa potência, a casa do nosso desejo. Não é um corpo de matéria organizada e extensa, esse corpo organizado é efeito do CsO. O CsO é um ovo, uma zona de intensidades.

Mas o lance é se preencher de intensidades e só se faz isso através dos órgãos, são eles que experimentam, por isso, mantê-los sãos. São puro devir.




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